sexta-feira, 12 de março de 2010

Péssima de cálculo

- Saia.
- Não posso.
- Saia -, repetiu ela, desta vez com maior veemência e decisão, tentando omitir o medo incrustrado em sua voz.
- Preciso te explicar o que houve.
- Não quero explicações, Dionísio.
- Não me chame assim.
- É seu nome.
- Não importa, eu simplesmente não gosto dele.
- É de um deus grego -, disse ela, desta vez imprimindo um tom irônico à sentença
- Mas... Por favor, me escute, é urgente.
- Não há mais volta, querido.
- Por favor, me deixe falar um minuto.
- Então você não quer sair? - Perguntou a moça, em histeria.
- Não, eu quero ficar!
- Pois bem, entre e sente. Vou buscar um copo de água para nós dois.
- Obrigada pela consideração. Sempre soube que você voltaria atrás para me ouvir. Você não vai se arrepender disso.

Sem se aperceber de seus próprios movimentos, Dionísio adentrou o recinto de onde há poucos minutos sua amada o estava expulsando. Entrou, sentou no sofá. Estivera de pé, na porta de entrada, corpo exausto de insistência, exausto de um sentimento trágico e típico das pessoas que deixam a desejar às outras.

- Mas você vai... - Sussurrou a moça, que se dirigia à cozinha.
- O que disse?
Ele não havia escutado. Ela deu meia-volta e foi até a cozinha. Chegando ao recinto, se deu conta de seus mais íntimos planos. "O que estou fazendo?", sentiu uma frase azulada vindo de seu lado direito do cérebro. "Estou fazendo apenas o correto", recebeu em resposta, de seu rubro lado esquerdo.

Foi até a pia da cozinha, lavou as mãos, o rosto, o pescoço. Estava quente. Seu corpo ardia de uma excitação doentia. Jamais sentira-se tão viva em tantos anos. Não se sentia em seu auge da boa forma, mas sem dúvida neste momento estava. Deu-se conta de que seus pêlos da nuca estavam arrepiados. Decidiu afastar quaisquer vozes que estivessem pululando em seus ouvidos. E decidiu afastar quaisquer pensamentos titubeantes.

Pupilas dilatadas, como quem se prepara para uma guerra.

Fitou a gaveta da pia onde recém saciara o pedido de água de sua pele. Focava com certa displicência os modelos lustrosos de facas e garfos e colheres que se misturavam em harmônico caos.

Apurou os sentidos auditivos e perecebeu que Dionísio não manifestava nenhum tipo de reação, além da espera a que foi submetido.

Deu segunda meia-volta.
Dirigiu-se ao quarto.

"É, sem dúvida será esta a sua noite de glória, minha querida", disse a moça, com verdes olhos vibrantes por detrás de suas lentes de grau, observando uma célebre caixinha de música em cima de sua cômoda. Chegando mais perto, abriu, e retirou de dentro dela uma pistola Glock 28.

"Calibre 38. 90% de poder de paragem. Um prateado sedutor em pintura. Minhas iniciais marcadas em preto no cano", mentalizou, como quem faz lista de compras para um supermercado. Guardou-a no bolso do jeans que usava, discretamente.

Alguns segundos depois, que pareceram a eternidade, ela chegou à sala.

- Fale.
- Meu amor, eu...
- 30 segundos.
- Hã? Desculpe, não entendi.
- 25 segundos.
- Para que?
- Para explicações. 20 segundos.
- Eu não compreendo...
- 15 segundos - ela remexeu delicadamente em seu bolso, onde gavia guardado a dama que iria presidir aquela noite.
- O que você tem aí?
- 10 segundos. - Ela retirou a arma do bolso e apontou, sem erro, no meio dos olhos de Dionísio.
- O que você está...

Não houve tempo para maiores reações, ela sequer chegou a contar até zero. O tiro foi certeiro, incisivo, nada delicado, sem amor nem pudor. Ela já havia praticado antes em seus videogames. Ele sempre dizia que ela era ruim de cálculo, tanto para calcular timming ou miras.



Dionísio acertou em dizer que ela era ruim de timming.
Errou em dizer que a moça era ruim de mira.

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