quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Doadora de órgãos e tecidos

E essa é a parte da minha carteira de estagiária da OAB que mais me emociona - onde menciona que, SIM, sou doadora de órgãos e tecidos.

Não mais. Nunca mais.

De pé, eu sinto o veneno se acumular na minha corrente sanguínea. A substância tóxica se amontoa na base do meu corpo e pesa, de maneira que toda célula, toda molécula, todo átomo e absolutamente todo o meu ser anseia pelo repouso, pela inércia, pelo conforto da cama. Eu quero deitar e dormir.

Eu quero deitar, dormir e ejetar toda a toxicidade existente na minha pele, nos meus órgãos, no ar que eu respiro. Então, eu finalmente deito. Não é uma grande surpresa, parece que eu já sabia que a sensação do meu corpo ser um invólucro de veneno não ia passar. Mas eu precisava deitar e, uma vez deitada, eu sinto toda aquela substância nociva se espalhando, crescendo, multiplicando, fermentando. Eu sou tóxica. Eu não mereço viver. Toda dor que sinto é um lembrete, um aviso, de que eu estou aqui apenas para o sofrimento, recebê-lo e causá-lo.

E é por isso que eu gostaria de sumir. Desaparecer. Fundir meu corpo às paredes. Cair no esquecimento, aos poucos, porque sei que, por mais nociva que eu seja, ainda assim há pessoas que gostam de mim. E eu não queria causar mais nenhum tipo de sofrimento. Não mais. Nunca mais.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Crise estrutural

Vivemos uma crise estrutural. Não, uma crise. Só crise. É tudo o que consigo ver quando olhos para os lados, para cima, para baixo, para o centro, para dentro. Traz o limão, que o sal da vida e a tequila dos beberrões já entrou!

O frio dos corações é contagiante. Somos todos gelados. Descolados, coloridos, cintilantes, unicórnios saltitantes. Queremos atenção, mas estamos pouco ou nada dispostos a cedê-la para outras pessoas. Só queremos ser atendidos; mas atender ninguém, credo, deusmelivre, "que gente mais carente!". Cutucamos, mas não aceitamos ser cutucados de volta. Apontamos duas mãos cheias para os outros; mas quando minimamente comentam nossos defeitos, choramos, brigamos, não podemos ter falhas!

Recentemente li um texto que me chocou: fazia uma releitura sobre o que é exposto no livro/filme Clube da Luta, fazendo uma observação interessante - de que o tema discutido versa, verdadeiramente, sobre a necessidade de haver um ritual de passagem de menino para homem. E fala assim, no masculino, como se o restante do mundo não precisasse da exata mesma coisa.


O texto defende que mulheres já possuem rituais de passagem - um bem explícito, que é a menstruação. Até faz sentido. Depois tem a festa de debutante, famosos "15 anos", no qual a moça dança com os homens presentes que se voluntariam para a tarefa. Bastante sugestivo, achei ofensivo e realista, nojento por sinal e, por favor, posta mais. 

Menstruei com 12 anos. Ou 13. Não lembro. Foi horrível. Eu lembro de chorar porque eu queria ser criança por mais tempo. Que bobagem... Afinal, fui criança por muito mais tempo, não foi um sangue na vagina uma vez por mês que mudou isso. E hoje, com 25 anos, sinto que cada vez mais faço questão de ser criança, mesmo que isso ofenda algumas pessoas, que esperam alguma maturidade de mim. É ingenuidade pensar que a menstruação me transformou em mulher e mais ingenuidade ainda achar que minha festa de 15 anos tenha significado alguma coisa a respeito de virar mulher - nada disso teve qualquer tipo de efeito nesse sentido.

Bom, eu sou madura. Eu acho. Não sei. Eu também era uma criança particularmente madura, então acho justo ser um adulto particularmente infantil - pra compensar as coisas.

O que esse texto deixou de considerar é que talvez essa necessidade de transformar meninos em homens - essa urgência em fazê-los sair da zona de conforto de "cuidado" para "cuidadores", é uma emergência generalizada. Não se trata de meninos/homens, e eu também estaria sendo simplória por dizer que se trata de meninas/mulheres; eu acho que a crise é muito maior: se trata de crianças/adultos.

Somos todos crianças. Deveríamos ser adultos.

Em algum momento, as pessoas deveriam crescer e enfrentar seus medos. Abrir-se e encarar os outros, como o termo sugere, olhando nos olhos. Vivemos morrendo de medo. Talvez o correto seja: sobrevivemos morrendo de medo, assustados com nossos cérebros, reprimindo nossos instintos e emoções, porque achamos que eles podem nos causar problemas. E podem mesmo. Mas nós já deveríamos ser "adultinhos" o suficiente pra aceitar e lidar com isso.

Vivemos uma crise estrutural.

Não, uma crise. Só crise. É tudo o que enxergo ultimamente.

sábado, 3 de junho de 2017

I'm begging you:
Please, do not fall in love.

Not yesterday
Not today
Not tomorrow

Please

I
am
begging
you

...
Or, at least...
This time, please,
you could just be
bulletproof

terça-feira, 9 de maio de 2017

"Motivo"

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
mais nada.

MEIRELES, Cecília. Motivo. In: Para gostar de ler. 1.ed. São Paulo, Ática, 1980, v.6 p.48.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Policiamento corporal e a espuma dos dias

Eu estava no quarto hoje, montando novamente meu mural de fotos, quando minha mãe passou por mim e disse que iria tomar banho logo porque precisava se depilar. Respondi, no automático “ué, não se depila então”, e ela devolveu “não posso, amanhã tenho academia”. A partir disso meu cérebro entrou em funcionamento, tirei do piloto automático e questionei “e daí?”. Minha mãe respondeu que se sentia desconfortável com pelos embaixo das axilas quando estava em público. Perguntei se havia alguém na academia que tivesse, alguma vez, reparado e comentado de axilas com pelos, ela disse que não, e eu emendei “é, pior do que existir alguém que repara e comenta de pelos em axilas, é manter esse tipo de pessoa por perto”.

Isso me irrita. Me irrita profundamente. Me irrita de uma maneira desigual, que eu inclusive deslizo e chego a bagunçar com a tal da ênclise – acho que faltei essa aula dos pronomes oblíquos, não lembro bem. Existe uma constante vigilância sobre os corpos das pessoas, e eu até ia tentar não entrar na questão de gênero, mas é praticamente impossível falar em POLICIAMENTO CORPORAL sem dizer o quanto isso afeta, principalmente, nós, mulheres. Eu me questiono se esse “desconforto” é algo DELA, que diz respeito somente à pessoa, ou se é algo que foi INCUTIDO ao longo de tantos anos, estampado em tantas revistas, ilustrado em tantos programas na TV, passado adiante em conversas cotidianas.

Nos encontramos em um momento em que é natural câmeras e atualizações de status o tempo inteiro, tudo é gravado, copiado, compartilhado. Com a estupidez humana não seria diferente: ela se propaga quase na velocidade da luz. Vivemos um mundo em que é normal olhar o corpo do outro com o olho que tudo julga – pelos, espinhas, cicatrizes, estrias, manchas, sinais, cabelos, estatura, peso, idade; mais um pouco e chegaremos nos apps que fazem check-list físico da outra pessoa, com os defeitos que “escolhemos aceitar”, como se fosse preocupação nossa a maneira como o outro rege o próprio corpo. Eu me questiono se a vida é realmente a respeito da nossa aparência, de como parecemos por fora.

Meu pai sempre me falava desde que eu era criança: “tu não é as tuas roupas, tu não é os teus brinquedos, tu não é o material escolar caro que o pai não pôde pagar”.

Nunca esqueci essas palavras do meu pai. Certa vez decidi fazer uma tatuagem; na verdade, foram duas, logo de cara. Meu pai detestou. Ficamos uma semana sem falar. Depois de um tempo, ele admitiu que eram tatuagens bonitas, embora, na ocasião, tenha expressado o receio dele – algo como “o ambiente em que tu vai trabalhar futuramente ainda não compreende que um desenho na tua pele não muda a pessoa que tu é”. Pois é, pai, eu sei disso. E tu também percebeu que um desenho na minha pele não mudou a pessoa que eu sou, não diminuiu meu intelecto e não modificou o meu caráter, nem nada parecido, da mesma forma que não ter ganho as roupas/brinquedos/materiais escolares que eu queria, simplesmente não foram o suficiente pra alterar qualquer traço da minha personalidade, quando criança. Fazer essas tatuagens talvez tenha alterado levemente a minha autoestima, já que eu fiz desenhos que me lembram de coisas boas que passei ou que passaram pela minha vida. Esses valores nortearam a minha vida de uma maneira tão pungente que, quando cresci, não pude deixar de responder para o meu pai: “Se as pessoas do meu futuro trabalho vão me julgar pelas tatuagens, cor de cabelo ou estilo de roupas, quiçá pelo meu peso, estatura ou cor dos olhos, então eu sinceramente não quero trabalhar com essa gente”.

Sei que isso que estou dizendo se trata de um privilégio IMENSO. Sei que muitas pessoas se sujeitam, ou melhor, não veem alternativa, e são obrigadas a trabalhar, a estudar, a viver em condições extremamente insalubres, ouvindo desrespeitos e monstruosidades pelo simples fato de serem diferentes. O diferente é visto como perigoso.


O que eu quero questionar aqui é como a gente se enxerga. SIM, tem muita gente que usa maquiagem, que alisa cabelo, que faz dieta, tudo em função de si mesmo, e isso é muito legal. A minha problematização, ou melhor, a minha ETERNA TRETA™ é com aquelas decisões que tomamos e que não são inteiramente coisa da nossa cabeça. “Tô emagrecendo porque eu quero”, mas no fundo tá se achando um lixo por não ter um corpo esbelto como a atriz tal. “Tô me maquiando porque eu adoro”, mas na verdade detesta a própria pele, por ter lido nas revistas que olheiras não são sexy. “Tô me depilando porque eu gosto”, mas na verdade tá com medo do que o boy vai dizer/pensar/falar se tirar tua roupa. “Tô alisando o cabelo porque é mais fácil cuidar dele assim”, mas na verdade tá é querendo ficar liso pra não ter que lidar com o preconceito das pessoas que olham torto pro teu black power ou pros teus cachos. Entendam: o problema não é o processo (maquiagem, dieta, depilação, mudança capilar…); o problema é a MOTIVAÇÃO. Por gentileza: não usem pessoas que fazem isso porque QUEREM, para invisibilizar pessoas que o fazem POR PRESSÃO. Seja pressão da mídia, dos amigos, da família, d@ parceir@.

Como resolver isso? Eu sei lá. SINCERAMENTE, EU SEI LÁ.

Não posso dizer para as pessoas simplesmente: “SE DESFAÇAM DE GENTE QUE PENSA ISSO, VAI SER MELHOR PRA TODO MUNDO”! E ia mesmo, tá ligado? Mas não. Não acho legal, e nem é da minha índole, ir colocando as pessoas “no lixo”, como se eu pudesse ali na esquina encontrar gente nova com a cabeça mais aberta – não, isso não. Eu acho que algumas pessoas valem o nosso esforço, valem o tempo que a gente vai empregar contando pra elas que é natural ser quem somos, sermos humanos, imperfeitos, com nossas cicatrizes físicas e emocionais. Como diria Fernando Pessoa, no poema Mar Português, “Valeu a pena? Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena”.

domingo, 9 de abril de 2017

I am glad to be back

Às vezes a gente passa tanto tempo com uma sensação ruim… Não é culpa nossa, sabe. Existem paradas químicas rolando no cérebro da gente, coisa pesada que nosso próprio organismo produz, ou não produz como deveria, e que deixa a gente “meio” pra baixo. Essas sensações se alongam pelos anos, a gente vai empurrando da maneira que dá, como pode, e nem sempre essa é a melhor maneira de encarar isso, mas é como a gente consegue. Depois de tantos anos, livre desses padrões inalcançáveis que nos sufocam, sentir algo genuíno, puro…, parece que ser feliz sem uma razão específica é algo como um milagre, como uma bênção. Bom, eu não acredito – nem em bênçãos e nem em milagres, acho que o que ainda não conseguimos explicar não é simplesmente inexplicável, não, eu acho que a gente ainda não encontrou os motivos. As razões. As explicações.


Nós tentamos, de todas as maneiras ao nosso alcance, ficar e estar bem. Às vezes, não dá. Às vezes a avalanche interminável de cobranças por emprego/estudos/status social/relacionamento/bens móveis e imóveis e tudo o mais nos engole. Nos engole e não é possível nem ouvir nossos próprios pensamentos. Eu já critiquei jovens nem tão jovens assim que escutam músicas tristes, mas sabe, de certa forma eles estavam certos. A tristeza não é, isoladamente, ruim. Porque no meio dela, as coisas boas parecem brilhar com uma luminosidade diferente. A luz, no fim do túnel, te cega; mas, ao mesmo tempo, te dá aquela vontade louca de se arrastar, de rastejar, de ir aos trancos, de desatar a correr até alcançá-la. Seja qual for essa luz. Seja qual for esse fim. Seja qual for esse túnel. Não sei. Só sei que é bom estar de volta. “De volta à normalidade?”. Não, de volta à loucura. Senti saudades de ser feliz sem motivos!

sexta-feira, 7 de abril de 2017

(Do not) Hidden Your Tears

Às vezes a gente pensa em se calar, em esconder, em evitar. Seja qual for o tipo de relação, qual o tipo de situação e qual o tipo de emoção, sempre passa pela cabeça: “e aí, falo ou não falo?”. Sei lá, gente. A vida anda tão complicada. Em algum momento as coisas começaram a desandar, e já faz tanto tempo que esse caldo entornou, que não faz o menor sentido descobrir a origem – a ideia mais madura é, com certeza, seguir em frente e tentar fazer o menor dano possível. Eu não tenho medo e eu quase não tenho um pingo de vergonha na minha cara. Talvez isso seja reflexo dos muitos anos da infância e adolescência que eu passei, basicamente, escondida atrás de livros, óculos e cabelo, muito cabelo. Mas não, eu acho que não, em especial porque eu não me arrependo dos anos de reclusão. Acho que eu simplesmente cansei de me esconder, cansei de ser “só a garota atrás da obra literária”, talvez eu queira ser mais alguma outra coisa além disso. O que? Eu não sei. Não ainda. E eu também não tô com pressa de descobrir. Não me sinto acuada, não me sinto envergonhada; talvez pela primeira vez, em muitos anos. Acho que, provavelmente ao mesmo tempo em que tudo começou a desmoronar, eu pensei: “pô, se tamo caindo, o que custa aproveitar o vento veloz passando pelo rosto?!”.



E daí eu me jogo. Quebro um pouco a cara, às vezes. Às vezes tenho vontade de explicar pras pessoas que um diálogo é só um diálogo, não são promessas. Um beijo, um abraço, um aperto de mão, um cinema, um café, um gole da tua cerveja: nada disso é promessa, tudo é extremamente vulnerável e passageiro. Uma certeza: a morte. Uma possibilidade: viver. Uma alternativa a viver: VIVER PRA CARALHO. Se uma coisa aprendi, depois de tanto quebrar a cara, é que tudo é impermanente – inclusive essa sensação de estar com a cara e o coração quebrados. Let’s have some fun! (05.04.17)

quinta-feira, 16 de março de 2017

Please, die

Agência de Investigações Holísticas Dirk Gently, menções à loucura que pessoas fazem em nome da religião, um comentário espertinho de Richard Dawkins sobre o livro... E a triste realidade dolorida de que Douglas Adams faleceu antes dos 50 anos, em 2001, quando eu própria estava prestes a completar meus dez anos de idade. A vida é tão injusta.

Ansiedade toma conta de mim e pego um daqueles cigarros mau-cheirosos da semana passada. Coloco uma touca no cabelo, pego isqueiro e incenso, fecho a porta ao sair. Vou pra janela e acendo os dois - cigarro e incenso, e percebo que a ansiedade deveria estar se apagando, mas não é esse o rumo que ela toma. Tenho 25 anos e esse deve ser o sétimo ou oitavo cigarro que eu fumo, e continua sendo uma droga. Não que eu esteja insistindo - não estou. Definitivamente, um vício em nicotina é algo de que eu não preciso agora. Mas eu precisava pensar e queria solidão. Quer dizer, mais um pouco de solidão, afinal eu me desliguei das redes sociais por dois dias consecutivos. Pretendo voltar amanhã, porque acredito que há alguns amigos me esperando. Eu espero ter causado a eles menos mal do que eu normalmente causo a mim mesma. Essa é minha única esperança no momento.

No andar debaixo, eu escuto ser ditado o que pode ser um dos dez mandamentos: "não matarás", pela voz enfadonha de um parente trazido à minha correlação por força de lei. Eu já detesto os consanguíneos, que dirá os parentes "legais". Posso obedecer ao que um velhote louco escreveu numas pedras há alguns milênios atrás, sendo que ele ouviu essa ladainha toda de outro velhote maluco sentado acima das nuvens e, ok, eu não matarei; mas você pode, por favor, morrer?

Eu poderia parar de agir feito uma idiota e, daí, parar de reclamar sobre como eu sou, de fato, idiota, mas no momento eu só quero paz. Só um pouco de silêncio, a casa vazia e mais alguns cigarros. Talvez uma taça de vinho tinto seco. Eu me sinto doente, e só queria que essa barulheira parasse. Tomei um banho com muitos perfumes e acendi mais incensos pela casa, não pelo cheiro do cigarro, mas porque eu sinto um cheiro estranho de... de morte. Basicamente, tenho sentido um cheiro esquisito de morte. Duvido que esses remédios estejam funcionando - tenho vontade de tomar todos de uma vez só para ver o que acontece.

terça-feira, 7 de março de 2017

O Direito imita a vida

Sabe aquele ditado? “A vida imita a arte”, ou “a arte imita a vida”? Eu nunca lembro ao certo, talvez eu simplesmente não saiba o ditado original e adapte ele conforme a necessidade. Mas hoje me peguei pensando que o Direito imita à vida, ou que a vida imita o Direito, alguma coisa desse gênero.

Antes de prosseguir, já alerto que não sou nenhuma exímia conhecedora dos institutos do processo civil e, de antemão, já peço desculpas pelos deslizes que porventura cometa; sintam-se à vontade para apontar correções. Ademais, saliento que não é um texto de cunho acadêmico – muito pelo contrário, faz parte de alguns devaneios pessoais e também é fruto da minha paixão pelas leis, cuja interpretação e analogias eu procuro em tudo o que faço, vejo, penso.

Existe um “instituto” no ramo do Direito Processual Civil que se chama “contestação por negativa geral”. A contestação, conforme o próprio nome indica, é a faculdade do réu de contestar, responder, rebater as alegações articuladas pelo autor, formuladas pela ocasião do pedido inicial. Essa resposta, via de regra, deve ser realizada ponto a ponto, sendo que os fatos não contestados, também via de regra, serão assumidos como verdadeiros. Quando o réu, por motivo ou outro, não comparece processualmente para contestar a ação, existe a possibilidade de o juiz nomear um curador especial para realizar tal labor. O curador, por sua vez, recebe a indicação de nomeação e pode aceitá-la, ou não, conforme o caso. É muito comum que o curador especial seja na pessoa de um defensor público, e a sua função, nos casos mais recorrentes, é realizar a dita “contestação por negativa geral”. O curador especial não teve acesso ao réu, já que o réu sequer compareceu no processo para se manifestar, e a função do curador é só contestar de forma genérica os fatos articulados pela parte autora. O curador, que obviamente não é onisciente, onipotente e onipresente, não tem como saber se os fatos ocorreram conforme narra o autor, então a ele é facultado simplesmente negar tudo que foi dito, de maneira a tornar os fatos controversos. Você consegue compreender aqui a importância do curador? Ele comparece em nome do réu, já que ele próprio não esteve presente, só para cumprir um papel, o papel de tornar as coisas controversas. Só para deixar as coisas controvertidas. Eu vejo as questões jurídicas como questões naturais. Pense numa situação em que uma pessoa veio falar contigo: ela deu o primeiro passo, demandou um determinado assunto, ou seja, ela é o autor, ela está requerendo alguma coisa. E você, bom, você é o réu, e cabe a ti contestar, responder, e inclusive também concordar com o que está sendo dito. A vida é assim, somos autores e réus o tempo todo, demandamos e contestamos coisas, às vezes concordamos, às vezes discordamos e, como é de se esperar, relacionamentos saudáveis são pautados nesses embates, nessas discussões, em que se permite demandas e faculta à parte “adversa” (ao outro e, portanto, o “não eu”) a resposta. O que eu quero dizer com essa viagem toda? É simples. Não seja um curador especial. Não conteste por negativa geral. Não contrarie uma pessoa só para tornar controversos os fatos que ela apresentou. Isso não é produtivo. Eu sei, o processo civil aceita esse troço, e se você parar pra pensar nós também já “contestamos por negativa geral”, só pelo mero prazer de causar a discordância, mas, sinceramente, é isso que a gente quer? Nós queremos mesmo viver relações pautadas pela discordância pura e só, onde não existe um contraponto, fato por fato? Não, eu ouso dizer que isso não é o ideal. Eu ouso responder em nome de mais pessoas, além de mim mesma. Eu ouso dizer que não é uma boa ideia que se prolonguem situações e relações orientadas pela discussão contestada por negativa geral. Se você se importa com uma pessoa, escute-a: receba suas demandas, analise os fatos narrados. E aí, você pode contestar, argumentar e, até mesmo, produzir provas. Eu tenho certeza de que esse diálogo vai nos trazer experiências muito mais intensas e incríveis.

Sabe o que é mais bacana no processo civil? Além da contestação, ao réu também é facultado o direito de apresentar um negócio chamado reconvenção. Pra elucidar: o autor (original) tem uma “treta” com o réu (original). Só que, assim que o autor (original) apresenta sua demanda com o réu (original), esse réu (original) para tudo (ninguém sai, meu óculos) e fala que também tem pendências com esse autor (original). Nisso, o réu (original) se torna autor na reconvenção, momento em que apresenta as próprias demandas junto ao autor (original). “Mas meu deus, como é que o Direito permite essa putaria?!”, você deve estar se questionando. Bom, como outras quinhentas outras situações distintas que acontecem no campo das leis e todo mundo deliberadamente assume que se trata de putarias, mas que na verdade não são putarias, eu te digo: não, a reconvenção não é uma putaria. Esse “instituto” do processo civil visa atender princípios presentes na Constituição que rege nosso país. No caso em apreço, a possibilidade de o réu (original) reconvir prestigia o princípio da razoável duração do processo, segundo o qual o Estado não deve simplesmente “reger os processos e deu” – não, o Estado deve prestar a jurisdição e fazer isso da maneira mais efetiva, tempestiva, eficiente e adequada possível. Isso quer dizer que a reconvenção existe pra que o réu (original) se transforme em autor para, assim, poder demandar o autor (original) no mesmo processo, durante o mesmo diálogo, de maneira que as ações durem somente o tempo razoável. Vamos ser ainda mais minimalistas: vamos discutir todos os podres aqui, agora; não vamos deixar nada pra depois, nada pendente, sejamos eficientes.

Ou seja, depois dessa ladainha toda, o que eu quero dizer é: tudo bem você não ser o autor original da ação – não faz mal, a vida é corrida e todo mundo tá meio perdido mesmo. Mas participe do diálogo, entre no processo, faça parte dessa dança. Se você tiver um problema, demande; e se for demandar, dê possibilidade de resposta. Se você for demandado, escute, preste atenção e debata os fatos – não conteste por negativa geral.


Sendo autor ou réu na própria vida, valorize suas AÇÕES e as AÇÕES dos outros.

sábado, 4 de março de 2017

No, I don't have to apologize


Eu tenho uma doença. Não uma, várias. Duas delas são doenças de ordem mental. Eu sinto medo o tempo todo, sinto dor a todo instante, sinto como se o mundo estivesse pesando sobre meus ombros e parece que está tudo sempre pronto para desabar. Meu corpo dói, minha pele parece que está esticada ou grande demais sobre o meu corpo, e existe uma sensação constante de que eu vou começar a sufocar, mesmo que não haja água próximo. Eu me sinto só, eu me sinto triste, eu me sinto abandonada e infeliz. Também me sinto culpada por todos esses sentimentos porque, afinal de contas, eu tenho amigos e família, pessoas que verdadeiramente me amam e querem o meu bem. Me entristece ser e estar assim, mas não sei mais o que fazer a respeito. Todos os dias eu acordo e me sinto triste por ter acordado e continuar viva. O maior pesar que sinto é a vida, que continua.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

São só palavras, texto, ensaio e cena

É ligeiramente cômico, traumático e absolutamente desesperador a maneira como os ciclos temporais se repetem. Não, não estou ficando louca - ao menos, não há uma loucura clinicamente diagnosticada. Por enquanto.

O caso é que dia 02 de fevereiro de 2017 foi um dos piores dias da minha vida, e tudo o que eu fiz foi ficar sentada assistindo alguém que eu amo ir embora. Eu me subestimo. Eu subestimo a minha capacidade de encantar as pessoas e não aceito direito, ou não consigo entender de maneira eficaz, o fato de elas ficarem na minha vida por conta própria. O que eu sei é que, no momento que essa pessoa estava indo embora, tudo o que eu queria é que ela não fosse. Mas eu não podia pedir por isso, não depois de dois anos de convivência. Se em dois anos eu não consegui demonstrar a importância dela na minha vida, o que eu poderia dizer ontem que iria mudar alguma coisa?

De fato, alguma palavra seria capaz de mudar qualquer coisa?

Eu não quero que as pessoas fiquem comigo por pena ou por dever, por senso moral, por senso comum ou, ainda, por convencimento. Eu não quero, e eu absolutamente não preciso, dessa etapa na minha vida pública ou privada. Não quero ter de passar pelo vexame de ter de convencer alguém a ficar comigo, a conviver comigo e tudo o mais.


E agora fica o vazio, as lembranças. A saudade. A saudade que corrói e machuca, e eu só queria mais um abraço, mais um beijo, mais um olhar, mais um carinho, mais um minuto, mais uma hora, mais um dia, mais um mês, mais um ano, mais uma década, mais um século... Mais uma chance. Só isso. Eu sei que não é "só isso", porque pra mim seria grande coisa... E eu não posso pedir e, tampouco, exigir o comprometimento das pessoas comigo, com meus sentimentos, com os meus planos.

Tudo parece cinza e borrado, como se eu tivesse dentro de um vidro, uma redoma, presa, observando ou, quem sabe, só existindo. Isolada. Fria. Oca. Vazia. Asséptica. Antitérmica. Um rasgo invisível que divide o meu ser em dois pedaços. Ou mais, eu não saberia dizer.

Existem pessoas que nos abraçam tão forte que o nosso coração partido se une novamente. E existem pessoas que simplesmente não podem ser - e jamais serão - substituíveis, substituídas.