terça-feira, 18 de abril de 2017

Policiamento corporal e a espuma dos dias

Eu estava no quarto hoje, montando novamente meu mural de fotos, quando minha mãe passou por mim e disse que iria tomar banho logo porque precisava se depilar. Respondi, no automático “ué, não se depila então”, e ela devolveu “não posso, amanhã tenho academia”. A partir disso meu cérebro entrou em funcionamento, tirei do piloto automático e questionei “e daí?”. Minha mãe respondeu que se sentia desconfortável com pelos embaixo das axilas quando estava em público. Perguntei se havia alguém na academia que tivesse, alguma vez, reparado e comentado de axilas com pelos, ela disse que não, e eu emendei “é, pior do que existir alguém que repara e comenta de pelos em axilas, é manter esse tipo de pessoa por perto”.

Isso me irrita. Me irrita profundamente. Me irrita de uma maneira desigual, que eu inclusive deslizo e chego a bagunçar com a tal da ênclise – acho que faltei essa aula dos pronomes oblíquos, não lembro bem. Existe uma constante vigilância sobre os corpos das pessoas, e eu até ia tentar não entrar na questão de gênero, mas é praticamente impossível falar em POLICIAMENTO CORPORAL sem dizer o quanto isso afeta, principalmente, nós, mulheres. Eu me questiono se esse “desconforto” é algo DELA, que diz respeito somente à pessoa, ou se é algo que foi INCUTIDO ao longo de tantos anos, estampado em tantas revistas, ilustrado em tantos programas na TV, passado adiante em conversas cotidianas.

Nos encontramos em um momento em que é natural câmeras e atualizações de status o tempo inteiro, tudo é gravado, copiado, compartilhado. Com a estupidez humana não seria diferente: ela se propaga quase na velocidade da luz. Vivemos um mundo em que é normal olhar o corpo do outro com o olho que tudo julga – pelos, espinhas, cicatrizes, estrias, manchas, sinais, cabelos, estatura, peso, idade; mais um pouco e chegaremos nos apps que fazem check-list físico da outra pessoa, com os defeitos que “escolhemos aceitar”, como se fosse preocupação nossa a maneira como o outro rege o próprio corpo. Eu me questiono se a vida é realmente a respeito da nossa aparência, de como parecemos por fora.

Meu pai sempre me falava desde que eu era criança: “tu não é as tuas roupas, tu não é os teus brinquedos, tu não é o material escolar caro que o pai não pôde pagar”.

Nunca esqueci essas palavras do meu pai. Certa vez decidi fazer uma tatuagem; na verdade, foram duas, logo de cara. Meu pai detestou. Ficamos uma semana sem falar. Depois de um tempo, ele admitiu que eram tatuagens bonitas, embora, na ocasião, tenha expressado o receio dele – algo como “o ambiente em que tu vai trabalhar futuramente ainda não compreende que um desenho na tua pele não muda a pessoa que tu é”. Pois é, pai, eu sei disso. E tu também percebeu que um desenho na minha pele não mudou a pessoa que eu sou, não diminuiu meu intelecto e não modificou o meu caráter, nem nada parecido, da mesma forma que não ter ganho as roupas/brinquedos/materiais escolares que eu queria, simplesmente não foram o suficiente pra alterar qualquer traço da minha personalidade, quando criança. Fazer essas tatuagens talvez tenha alterado levemente a minha autoestima, já que eu fiz desenhos que me lembram de coisas boas que passei ou que passaram pela minha vida. Esses valores nortearam a minha vida de uma maneira tão pungente que, quando cresci, não pude deixar de responder para o meu pai: “Se as pessoas do meu futuro trabalho vão me julgar pelas tatuagens, cor de cabelo ou estilo de roupas, quiçá pelo meu peso, estatura ou cor dos olhos, então eu sinceramente não quero trabalhar com essa gente”.

Sei que isso que estou dizendo se trata de um privilégio IMENSO. Sei que muitas pessoas se sujeitam, ou melhor, não veem alternativa, e são obrigadas a trabalhar, a estudar, a viver em condições extremamente insalubres, ouvindo desrespeitos e monstruosidades pelo simples fato de serem diferentes. O diferente é visto como perigoso.


O que eu quero questionar aqui é como a gente se enxerga. SIM, tem muita gente que usa maquiagem, que alisa cabelo, que faz dieta, tudo em função de si mesmo, e isso é muito legal. A minha problematização, ou melhor, a minha ETERNA TRETA™ é com aquelas decisões que tomamos e que não são inteiramente coisa da nossa cabeça. “Tô emagrecendo porque eu quero”, mas no fundo tá se achando um lixo por não ter um corpo esbelto como a atriz tal. “Tô me maquiando porque eu adoro”, mas na verdade detesta a própria pele, por ter lido nas revistas que olheiras não são sexy. “Tô me depilando porque eu gosto”, mas na verdade tá com medo do que o boy vai dizer/pensar/falar se tirar tua roupa. “Tô alisando o cabelo porque é mais fácil cuidar dele assim”, mas na verdade tá é querendo ficar liso pra não ter que lidar com o preconceito das pessoas que olham torto pro teu black power ou pros teus cachos. Entendam: o problema não é o processo (maquiagem, dieta, depilação, mudança capilar…); o problema é a MOTIVAÇÃO. Por gentileza: não usem pessoas que fazem isso porque QUEREM, para invisibilizar pessoas que o fazem POR PRESSÃO. Seja pressão da mídia, dos amigos, da família, d@ parceir@.

Como resolver isso? Eu sei lá. SINCERAMENTE, EU SEI LÁ.

Não posso dizer para as pessoas simplesmente: “SE DESFAÇAM DE GENTE QUE PENSA ISSO, VAI SER MELHOR PRA TODO MUNDO”! E ia mesmo, tá ligado? Mas não. Não acho legal, e nem é da minha índole, ir colocando as pessoas “no lixo”, como se eu pudesse ali na esquina encontrar gente nova com a cabeça mais aberta – não, isso não. Eu acho que algumas pessoas valem o nosso esforço, valem o tempo que a gente vai empregar contando pra elas que é natural ser quem somos, sermos humanos, imperfeitos, com nossas cicatrizes físicas e emocionais. Como diria Fernando Pessoa, no poema Mar Português, “Valeu a pena? Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena”.

domingo, 9 de abril de 2017

I am glad to be back

Às vezes a gente passa tanto tempo com uma sensação ruim… Não é culpa nossa, sabe. Existem paradas químicas rolando no cérebro da gente, coisa pesada que nosso próprio organismo produz, ou não produz como deveria, e que deixa a gente “meio” pra baixo. Essas sensações se alongam pelos anos, a gente vai empurrando da maneira que dá, como pode, e nem sempre essa é a melhor maneira de encarar isso, mas é como a gente consegue. Depois de tantos anos, livre desses padrões inalcançáveis que nos sufocam, sentir algo genuíno, puro…, parece que ser feliz sem uma razão específica é algo como um milagre, como uma bênção. Bom, eu não acredito – nem em bênçãos e nem em milagres, acho que o que ainda não conseguimos explicar não é simplesmente inexplicável, não, eu acho que a gente ainda não encontrou os motivos. As razões. As explicações.


Nós tentamos, de todas as maneiras ao nosso alcance, ficar e estar bem. Às vezes, não dá. Às vezes a avalanche interminável de cobranças por emprego/estudos/status social/relacionamento/bens móveis e imóveis e tudo o mais nos engole. Nos engole e não é possível nem ouvir nossos próprios pensamentos. Eu já critiquei jovens nem tão jovens assim que escutam músicas tristes, mas sabe, de certa forma eles estavam certos. A tristeza não é, isoladamente, ruim. Porque no meio dela, as coisas boas parecem brilhar com uma luminosidade diferente. A luz, no fim do túnel, te cega; mas, ao mesmo tempo, te dá aquela vontade louca de se arrastar, de rastejar, de ir aos trancos, de desatar a correr até alcançá-la. Seja qual for essa luz. Seja qual for esse fim. Seja qual for esse túnel. Não sei. Só sei que é bom estar de volta. “De volta à normalidade?”. Não, de volta à loucura. Senti saudades de ser feliz sem motivos!

sexta-feira, 7 de abril de 2017

(Do not) Hidden Your Tears

Às vezes a gente pensa em se calar, em esconder, em evitar. Seja qual for o tipo de relação, qual o tipo de situação e qual o tipo de emoção, sempre passa pela cabeça: “e aí, falo ou não falo?”. Sei lá, gente. A vida anda tão complicada. Em algum momento as coisas começaram a desandar, e já faz tanto tempo que esse caldo entornou, que não faz o menor sentido descobrir a origem – a ideia mais madura é, com certeza, seguir em frente e tentar fazer o menor dano possível. Eu não tenho medo e eu quase não tenho um pingo de vergonha na minha cara. Talvez isso seja reflexo dos muitos anos da infância e adolescência que eu passei, basicamente, escondida atrás de livros, óculos e cabelo, muito cabelo. Mas não, eu acho que não, em especial porque eu não me arrependo dos anos de reclusão. Acho que eu simplesmente cansei de me esconder, cansei de ser “só a garota atrás da obra literária”, talvez eu queira ser mais alguma outra coisa além disso. O que? Eu não sei. Não ainda. E eu também não tô com pressa de descobrir. Não me sinto acuada, não me sinto envergonhada; talvez pela primeira vez, em muitos anos. Acho que, provavelmente ao mesmo tempo em que tudo começou a desmoronar, eu pensei: “pô, se tamo caindo, o que custa aproveitar o vento veloz passando pelo rosto?!”.



E daí eu me jogo. Quebro um pouco a cara, às vezes. Às vezes tenho vontade de explicar pras pessoas que um diálogo é só um diálogo, não são promessas. Um beijo, um abraço, um aperto de mão, um cinema, um café, um gole da tua cerveja: nada disso é promessa, tudo é extremamente vulnerável e passageiro. Uma certeza: a morte. Uma possibilidade: viver. Uma alternativa a viver: VIVER PRA CARALHO. Se uma coisa aprendi, depois de tanto quebrar a cara, é que tudo é impermanente – inclusive essa sensação de estar com a cara e o coração quebrados. Let’s have some fun! (05.04.17)