quinta-feira, 11 de março de 2010

Perdição

- Luísa, não me peça isso de novo.

Ela havia pedido novamente aquela canção. Ele estava sentado, cansado, obstinado a recusar; o piano pedia uma certa clemência.

- Só mais uma vez.

Ela o encarava com vivacidade, embora a recepção da imagem nos olhos dele fosse de uma pessoa debilitada.

- Só mais uma vez -, ela repetiu, com um pouco mais de força, com intenção de instigá-lo a tocar.

- Mas não entendo sua fixação por essa música, Luísa. Não vou entender.

- Não entenda - disse ela, - apenas toque-a para mim.

E ele tocou. Ela estava deitada em seu leito macio quando as notas melódicas advindas do piano ressoaram em seus delicados tímpanos. Teve ganas de gritar. Ela não confidenciava isso ao pianista, mas sentia terríveis ímpetos de vingança. Sentia ardores de levantar-se de sua condição "natural" e torcer pescoços, beber ácido sulfúrico, arrancar braços e martelar dedos. Um a um.

- O que desejas depois, Luísa? - Perguntou o conformado pianista, no momento em que executava uma parte estridente da partitura.

- Desejo dormir, querido. - Respondeu, com sua alma enaltecida pelo ódio.

- Está bem.

Então, tudo cessou. Sentiu um peso saindo de suas costas. Sentiu suas pernas, seus braços e seu tronco, não voltarem a se mexer, mas a se diluir, como em plasma. Cristal líquido. Gasoso com líquido sobre sólido. O pianista tocou sua canção, e Luísa ouviu seus últimos acordes.

Estava tudo terminado.

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