quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A “geopolítica” da sala de audiência

A “geopolítica” da sala de audiência, por Lenio Luiz Streck*

A polêmica sobre a disposição cênica das salas de audiência voltou à baila, com o artigo do ex-promotor e jornalista Cláudio Brito (Zero Hora de 22 de agosto). Em síntese, sustenta Brito que “advogados privados e defensores públicos merecem o mesmo tratamento dedicado aos promotores”. Haveria, portanto, para ele, um tratamento não isonômico aos promotores, na medida em que eles se sentam à direita do juiz, o que significa sentar-se em nível mais elevado em relação à defesa. Mas o que é, de fato, a igualdade? Já discuti muito isso.

Pelo menos desde Aristóteles, a igualdade não é um vetor que determina a “mesmidade”. Ser igual não é o mesmo que ser idêntico ou sentar-se no mesmo lugar. Igualdade não exige “a identidade”. Se assim o fosse, não poderíamos exigir apenas a identidade de localização, estendendo-a a toda e qualquer prerrogativa, seja de promotores, seja de juízes e, por que não, de deputados e senadores da República. Onde sentariam os juízes, por exemplo, se não há “diferença no tratamento entre os atores do processo”, segundo o Estatuto da OAB e o Código de Processo Civil? Ou essa parte da lei não vale? Ora, a igualdade não reside nessa disposição geográfico-mobiliária. E nem na disposição cênica da sala de sessões do Senado.

Outrossim, a igualdade propalada exige a pergunta pelo porquê da diferença que ele, Brito, considera injusta. Ora, o MP possui prerrogativas institucionais exatamente porque não atua por si. Atua em nome da sociedade. Precisamos acabar com a visão hobbesiana que distingue Estado e sociedade, incompatível com Estado democrático de direito, onde os discursos do poder se tornam transparentes. O promotor de Justiça “presenta” a sociedade. Por isso, pode sustentar a absolvição do réu, ao contrário da defesa, que é condicionada estrategicamente. Além disso, é fiscal da lei. O tempo todo. Promotor é vitalício, mas a proteção é da sociedade. Mas por que o lugar no qual se senta se torna tão relevante? Tratar-se-ia de uma questão estética?

Brito esquece uma questão que ele, como ex-promotor, certamente sabe: Judiciário e MP possuem parcela da soberania do Estado. Por exemplo, o procurador-geral da República possui assento no STF não só pela história, mas porque ele está em um lugar diferente. Tal qual os procuradores-gerais estaduais e promotores, encarna essa parcela soberana. A igualdade buscada pelos defensores da concepção cênica é derrubada pela desigualdade que a Constituição estabelece entre as várias instituições e pelos papéis que ocupam.

Claro que é importante discutirmos tudo isso. Mas paridade de armas não tem nada a ver com a defesa geopolítica de uma “reforma mobiliária na sala de audiências”. Aliás, geopolítica e democracia, historicamente, nunca caminharam juntas.



*Procurador de Justiça e professor

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