Sabe
aquele ditado? “A vida imita a arte”, ou “a arte imita a vida”?
Eu nunca lembro ao certo, talvez eu simplesmente não saiba o ditado
original e adapte ele conforme a necessidade. Mas hoje me peguei
pensando que o Direito imita à vida, ou que a vida imita o Direito,
alguma coisa desse gênero.
Antes
de prosseguir, já alerto que não sou nenhuma exímia conhecedora
dos institutos do processo civil e, de antemão, já peço desculpas
pelos deslizes que porventura cometa; sintam-se à vontade para
apontar correções. Ademais, saliento que não é um texto de cunho
acadêmico – muito pelo contrário, faz parte de alguns devaneios
pessoais e também é fruto da minha paixão pelas leis, cuja
interpretação e analogias eu procuro em tudo o que faço, vejo,
penso.
Existe
um “instituto” no ramo do Direito Processual Civil que se chama
“contestação por negativa geral”. A contestação, conforme o
próprio nome indica, é a faculdade do réu de contestar, responder,
rebater as alegações articuladas pelo autor, formuladas pela
ocasião do pedido inicial. Essa resposta, via de regra, deve ser
realizada ponto a ponto, sendo que os fatos não contestados, também
via de regra, serão assumidos como verdadeiros. Quando o réu, por
motivo ou outro, não comparece processualmente para contestar a
ação, existe a possibilidade de o juiz nomear um curador especial
para realizar tal labor. O curador, por sua vez, recebe a indicação
de nomeação e pode aceitá-la, ou não, conforme o caso. É muito
comum que o curador especial seja na pessoa de um defensor público,
e a sua função, nos casos mais recorrentes, é realizar a dita
“contestação por negativa geral”. O curador especial não teve
acesso ao réu, já que o réu sequer compareceu no processo para se
manifestar, e a função do curador é só contestar de forma
genérica os fatos articulados pela parte autora. O curador, que
obviamente não é onisciente, onipotente e onipresente, não tem
como saber se os fatos ocorreram conforme narra o autor, então a ele
é facultado simplesmente negar tudo que foi dito, de maneira a
tornar os fatos controversos. Você consegue compreender aqui a
importância do curador? Ele comparece em nome do réu, já que ele
próprio não esteve presente, só para cumprir um papel, o papel de
tornar as coisas controversas. Só para deixar as coisas
controvertidas. Eu vejo as questões jurídicas como questões
naturais. Pense numa situação em que uma pessoa veio falar contigo:
ela deu o primeiro passo, demandou um determinado assunto, ou seja,
ela é o autor, ela está requerendo alguma coisa. E você, bom, você
é o réu, e cabe a ti contestar, responder, e inclusive também
concordar com o que está sendo dito. A vida é assim, somos autores
e réus o tempo todo, demandamos e contestamos coisas, às vezes
concordamos, às vezes discordamos e, como é de se esperar,
relacionamentos saudáveis são pautados nesses embates, nessas
discussões, em que se permite demandas e faculta à parte “adversa”
(ao outro e, portanto, o “não eu”) a resposta. O que eu quero
dizer com essa viagem toda? É simples. Não seja um curador
especial. Não conteste por negativa geral. Não contrarie uma pessoa
só para tornar controversos os fatos que ela apresentou. Isso não é
produtivo. Eu sei, o processo civil aceita esse troço, e se você
parar pra pensar nós também já “contestamos por negativa geral”,
só pelo mero prazer de causar a discordância, mas, sinceramente, é
isso que a gente quer? Nós queremos mesmo viver relações pautadas
pela discordância pura e só, onde não existe um contraponto, fato
por fato? Não, eu ouso dizer que isso não é o ideal. Eu ouso
responder em nome de mais pessoas, além de mim mesma. Eu ouso dizer
que não é uma boa ideia que se prolonguem situações e relações
orientadas pela discussão contestada por negativa geral. Se você se
importa com uma pessoa, escute-a: receba suas demandas, analise os
fatos narrados. E aí, você pode contestar, argumentar e, até
mesmo, produzir provas. Eu tenho certeza de que esse diálogo vai nos
trazer experiências muito mais intensas e incríveis.
Sabe
o que é mais bacana no processo civil? Além da contestação, ao
réu também é facultado o direito de apresentar um negócio chamado
reconvenção. Pra elucidar: o autor (original) tem uma “treta”
com o réu (original). Só que, assim que o autor (original)
apresenta sua demanda com o réu (original), esse réu (original)
para tudo (ninguém sai, meu óculos) e fala que também tem
pendências com esse autor (original). Nisso, o réu (original) se
torna autor na reconvenção, momento em que apresenta as próprias
demandas junto ao autor (original). “Mas meu deus, como é que o
Direito permite essa putaria?!”, você deve estar se questionando.
Bom, como outras quinhentas outras situações distintas que
acontecem no campo das leis e todo mundo deliberadamente assume que
se trata de putarias, mas que na verdade não são putarias, eu te
digo: não, a reconvenção não é uma putaria. Esse “instituto”
do processo civil visa atender princípios presentes na Constituição
que rege nosso país. No caso em apreço, a possibilidade de o réu
(original) reconvir prestigia o princípio da razoável duração do
processo, segundo o qual o Estado não deve simplesmente “reger os
processos e deu” – não, o Estado deve prestar a jurisdição e
fazer isso da maneira mais efetiva, tempestiva, eficiente e adequada
possível. Isso quer dizer que a reconvenção existe pra que o réu
(original) se transforme em autor para, assim, poder demandar o autor
(original) no mesmo processo, durante o mesmo diálogo, de maneira
que as ações durem somente o tempo razoável. Vamos ser ainda mais
minimalistas: vamos discutir todos os podres aqui, agora; não vamos
deixar nada pra depois, nada pendente, sejamos eficientes.
Ou
seja, depois dessa ladainha toda, o que eu quero dizer é: tudo bem
você não ser o autor original da ação – não faz mal, a vida é
corrida e todo mundo tá meio perdido mesmo. Mas participe do
diálogo, entre no processo, faça parte dessa dança. Se você tiver
um problema, demande; e se for demandar, dê possibilidade de
resposta. Se você for demandado, escute, preste atenção e debata
os fatos – não conteste por negativa geral.
Sendo
autor ou réu na própria vida, valorize suas AÇÕES e as AÇÕES
dos outros.